Parte 1
Sol? Era mesmo o sol..? Miranna Natov afastou o tecido da entrada, um sorriso leve brincando no rosto, ao ver o brilho do astro invadindo a tenda e iluminando seus olhos azuis como o céu limpo - que, aliás, não se mostrava há semanas. A chuva pesada e a fumaça que subia do vulcão haviam formado uma camada quase impermeável de cinza e negro que já encobria aos poucos os corações dos habitantes da região de Aldaria. Mas não ela, não Miranna. A cigana se abaixou ao lado do filho, beijando-lhe a testa suavemente, ao que o garoto respondeu com um resmungo.
- Zakari... Zakari... - sussurrou.
- ...mama... eu quero dormir...
- Ah, mesmo? - disse, num tom brincalhão, encostando a ponta do indicador nos lábios. - Eu achei que você queria brincar lá fora, já que o s--
- O sol chegou?!
O pequeno levantou de um salto, o sorriso largo tão brilhante quanto os raios que clareavam o dia, e correu pra fora num rompante de energia. Ria, ao sentir a grama macia e o orvalho sob os pés descalços, infantil. A mãe apenas sentara no chão, observando-o e sorrindo diante das brincadeiras de Zakari. Ele era seu tesouro mais precioso, sua única família: perdera o marido anos antes, quando ainda carregava o filho em seu ventre, em uma das passagens da caravana por Aldaria. Fora por esse motivo que a mulher se opora veementemente à rota que agora faziam, retornando ao lugar que lhe roubara o único amor de sua vida... Mas não tinha opção. Não era ela a líder da caravana, afinal. Balançou a cabeça, saindo de seu breve devaneio, procurando o filho com os olhos.
- Zakari? - chamou. - Zakari?!
Miranna ficou de pé, olhando em volta, apreensiva. Sentia o coração bater com violência dentro do peito, empalidecendo, as mãos gelando. Gritou o nome do filho mais uma vez, pedindo ajuda. Por que ninguém acordava? Por que ninguém a ouvia?
- Aqui, mama! Aqui!
A criança estava à beira de um pequeno bosque, acenando para que a mãe o seguisse. Um arrepio intenso percorreu o corpo de Mirana, enquanto as memórias lhe invadiam a mente de súbito. Memórias dolorosas, de quando passeara com o marido por aqueles campos, inocente, puxando-o consigo para o meio das árvores. Mal sabia ela... que aquele era o Bosque das Ninfas, um lugar onde poucos se atreviam a entrar - e ainda menos conseguiam sair com vida. As lendas exaltavam a beleza das ninfas, e também sua crueldade: traiçoeiras, elas sequestravam e escravizavam os homens que entrassem em seu território, matando as mulheres, muitas vezes com requintes de crueldade.
- ZAKARI! AÍ NÃO!
A mulher gritou, correndo até ele o mais rápido que podia. O caminho parecia se alongar diante dos pés dela, e o filho se afastava, as árvores escondendo-o cada vez mais. Entrou no bosque, afastando com as mãos os galhos que pareciam querer expulsá-la dali, gritando por Zakari a plenos pulmões. "Não ele... não o meu pequeno..!", pensava, chorando, desesperada. Depois de um tempo que parecia ter durado dias, ela enfim se largou ao chão, exausta, ofegante. Ela também o perdera...
E então... passos. Passos de alguém pequeno. Passos de uma criança. Miranna ergueu o rosto, o sangue fugindo das faces de imediato. Sim, aquele era Zakari, seu filho, exibindo um sorriso suave no rosto. Sim, aquele era seu precioso garoto, chamando-a pelo nome. O medo que se apossara dela não era em relação ao menino... e sim à jovem que estava atrás dele. Uma jovem de cabelos longos e prateados, e olhos da mesma cor, um sorriso cruel brincando nos lábios finos.
Uma ninfa.
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Parte 2
- Se afaste dele! - foi a primeira coisa que a mulher gritou. Tirava forças de onde não tinha, ficando de pé e empurrando a menina para longe, abraçando o filho, protetora.
- M-mãe! Não faz isso! Eli é minha amiga! - reclamou o pequeno.
- ...está tudo bem.
Eli sussurrou, a voz macia como veludo, encarando os dois com uma expressão curiosa. Era visivelmente mais velha que Zakari, apesar de ainda não ter atingido a maturidade. O vestido, simples e semi-transparente, era feito de um tecido estranho, desconhecido à cigana, e parecia bastante gasto. Um dos pés descalços estava levemente erguido, mexendo na grama com as pontas dos dedos, enquanto a mão acariciava levemente o braço, onde Miranna a empurrara.
- O que quer com meu filho? - sibilou, encarando a ninfa. - Por que o atraiu até aqui?
- Eu..? - ela riu, causando um arrepio que fez com que a mulher recuasse. - Eu não fiz nada. Ele veio sozinho.
- Mentira! Você deve ter feito algo! Usou seus truques sujos pra enf--
- Não chame minha magia de "truque sujo", mulher.
Por um instante, Eli parecera enorme e aterradora: os cabelos emitiram um brilho enegrecido, o rosto se deformando numa aparência quase demoníaca, cheia de ódio. No instante seguinte, tudo voltara ao normal. Fosse imaginação ou real, Miranna não queria ficar para descobrir: tomou Zakari nos braços, correndo pra longe o mais rápido que as pernas cansadas podiam aguentar. Uma gargalhada seca ecoou pelas árvores, perseguindo a mulher. Olhou sobre os ombros pra trás: nada. Ninguém. Já podia ver o brilho do sol à frente, impulsionando o corpo num esforço que imaginava não ser capaz, escapando do abraço frio do Bosque das Ninfas.
- Se afaste dele! - foi a primeira coisa que a mulher gritou. Tirava forças de onde não tinha, ficando de pé e empurrando a menina para longe, abraçando o filho, protetora.
- M-mãe! Não faz isso! Eli é minha amiga! - reclamou o pequeno.
- ...está tudo bem.
Eli sussurrou, a voz macia como veludo, encarando os dois com uma expressão curiosa. Era visivelmente mais velha que Zakari, apesar de ainda não ter atingido a maturidade. O vestido, simples e semi-transparente, era feito de um tecido estranho, desconhecido à cigana, e parecia bastante gasto. Um dos pés descalços estava levemente erguido, mexendo na grama com as pontas dos dedos, enquanto a mão acariciava levemente o braço, onde Miranna a empurrara.
- O que quer com meu filho? - sibilou, encarando a ninfa. - Por que o atraiu até aqui?
- Eu..? - ela riu, causando um arrepio que fez com que a mulher recuasse. - Eu não fiz nada. Ele veio sozinho.
- Mentira! Você deve ter feito algo! Usou seus truques sujos pra enf--
- Não chame minha magia de "truque sujo", mulher.
Por um instante, Eli parecera enorme e aterradora: os cabelos emitiram um brilho enegrecido, o rosto se deformando numa aparência quase demoníaca, cheia de ódio. No instante seguinte, tudo voltara ao normal. Fosse imaginação ou real, Miranna não queria ficar para descobrir: tomou Zakari nos braços, correndo pra longe o mais rápido que as pernas cansadas podiam aguentar. Uma gargalhada seca ecoou pelas árvores, perseguindo a mulher. Olhou sobre os ombros pra trás: nada. Ninguém. Já podia ver o brilho do sol à frente, impulsionando o corpo num esforço que imaginava não ser capaz, escapando do abraço frio do Bosque das Ninfas.